Aos 50,Brasília tem de encarar corrupção e falta de planejamento



Por Maria Carolina Marcello


BRASÍLIA (Reuters) - Símbolo de modernidade e fruto do sonho de visionários, Brasília completa 50 anos com um choque de realidade. As formas da capital federal tentam se impor à imagem de um local marcado pela corrupção e que, apesar do ideal imaginado, hoje convive com a desigualdade social e a falta de planejamento.

Idealizada e desejada desde o século 19, Brasília levou apenas 3 anos e meio para ser construída até sua inauguração em 21 de abril de 1960. Se o então presidente da República e seu fundador, Juscelino Kubitschek, encarou a empreitada com empenho e como um desafio a ser superado, o urbanista Lúcio Costa emprestou sua simplicidade ao plano urbanístico e Oscar Niemeyer conferiu plasticidade à capital com seus edifícios arrojados.

O sentimento de concretização do sonho não era restrito ao presidente e idealizadores da cidade. Milhares de trabalhadores, chamados de pioneiros ou candangos, deixaram as diversas regiões do país para erguer a nova capital.

Brasília nascia para acolher desde o ministro de Estado até o motorista. A expectativa de seus criadores era de que comportasse uma sociedade relativamente igualitária.

"A cidade tinha, no início, o compromisso de que o coletivo se sobressaísse em relação ao individual", conta o professor do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília (UnB) Eliel Silva.

"A ideia era que seria possível fazer uma cidade igualitária ... se a sociedade também fosse!", afirma Maria Elisa Costa, filha de Lúcio Costa.

O Plano Piloto em forma de avião trazia o que de mais recente havia do urbanismo mundial --a arborização muito presente, as Superquadras, que funcionam como vilas, os prédios residenciais onde o andar térreo é obrigatoriamente aberto e de domínio público.

CENTRO POLÍTICO

Ao ser construída, Brasília teve como objetivo principal, além de ocupar e povoar o Centro-Oeste do país, o de ser a sede administrativa e política do país. Mas ao tornar-se centro dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, passou a carregar o ônus de conviver com escândalos que têm origem nos gabinetes e corredores das instituições públicas.

"É injusto, a cidade, afinal de contas, não é só isso. O problema é que ela acaba levando esse estigma, ele acaba pesando", reconhece o cientista político da UnB Everaldo Moraes.

E para piorar a reputação da capital, o aniversário de 50 anos tem de dividir as atenções com um caso emblemático: a crise do mensalão do DF, que resultou na cassação do governador e à renúncia do vice-governador. Representantes do Executivo e do Legislativo locais aparecem como suspeitos em um esquema de pagamento de propinas.

Por conta dessa crise, a população de Brasília presenciou, meses antes da comemoração do cinquentenário, a primeira prisão de um governador em exercício no Brasil.

"Brasília era a esperança de algo novo. E de certa forma ela mostrou apenas aquela velha forma de fazer política", critica Moraes.

"Brasília acaba desenvolvendo uma dupla personalidade. De um lado é bonita, moderna, cosmopolita, mas por outro é provinciana, segregacionista. E acaba sendo um reflexo do país, à época imerso em práticas atrasadas", completa o cientista político da UnB Leonardo Barreto.

PROBLEMAS URBANOS

Além da crise política, a capital enfrenta outros conflitos. Embora o Plano Piloto de Lúcio Costa esteja preservado --Brasília foi tombada como Patrimônio da Humanidade pela Unesco--, sofre influências do crescimento desordenado do entorno.

De acordo com o Superintendente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional no DF, Alfredo Gastal, a falta de transporte público, a sobrecarga dos sistemas de saúde, educação e a falta de planejamento por parte do Estado geram expectativas pouco otimistas.

"Se o Distrito Federal não se planejar para o futuro, isso não vai funcionar. Sem planejamento, não há tombamento que resista", alerta Gastal.

O problema da falta de planejamento é mais antigo do que aparenta. Mesmo durante a construção da capital, as autoridades da época não calcularam um espaço para a moradia dos candangos e pioneiros. Acomodados em vilas próximas aos canteiros de obras, tiveram de ser transferidos para regiões fora do Plano Piloto, mais tarde conhecidas como cidades-satélites.

"Não se pensou, no início, em planejamento para as pessoas que se deslocaram para construir a cidade em três anos. Quando terminaram a cidade, surgiu a pergunta: 'O que fazer com esse contingente?'", lembra a mestre em Sociologia Urbana da UnB Natália Mori.

A especulação imobiliária de Brasília e das cidades do DF também impediu a concretização da cidade igualitária. As classes mais ricas concentram-se no Plano Piloto, nos Lagos Sul e Norte. As mais baixas foram empurradas para fora do avião.

O alto custo de moradia no centro estimulou a migração para o entorno e ocupações ilegais de terra, inclusive por parte da classe média, que pulverizou as áreas ao redor de Brasília com condomínios irregulares.

No Lago Sul, bairro onde vive a maioria das autoridades, a renda familiar média alcança 19,3 salários mínimos, segundo dados da Pesquisa Distrital por Amostra de Domicílio (PDAD), de 2004.

Enquanto isso, na região administrativa de Itapoã, uma das mais pobres do entorno de Brasília, a renda familiar média é de 1,6 salário mínimo.

"Houve uma alteração demográfica para qual Brasília não estava preparada. Não havia a expectativa de que o DF crescesse nesse montante. A cidade enfrenta problemas de excesso de automóveis, falta de transporte público, as invasões de terra, os condomínios irregulares, todos decorrentes do modelo de ocupação territorial", critica o professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UnB Geraldo Batista.


(Reportagem adicional de Ana Nicolaci da Costa)

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